Exposição Individual na Biblioteca de
São Lázaro em Lisboa
De 2 a 22 de Dezembro 2017
Inês Correia
Inês Correia
Um pentágono, um círculo, oito livros
Um pentágono, um círculo, oito livros é o título, que nos fornece as
coordenadas para um acesso bibliográfico inusitado. É a formulação de um trilho
sugerido com generosidade. A generosidade de quem procura, com a criação
de novos livros e, sobretudo, de novas leituras,
ampliar a experiência da Biblioteca e do seu testemunho universal.
Carla Rebelo, dando continuidade ao seu
método interpretativo do espaço, que se propõe habitar enquanto artista
plástica, destinou à Sala de Leitura da Biblioteca de São Lázaro, um conjunto
de Livros de Artista, inscritos na categoria de ‘exemplar único’. A designação
transmite, no contexto expositivo de uma Biblioteca pública, um valor
fortemente identitário, representativo e simbólico. Por um lado, alinha as
peças no eixo instituído da semelhança, por outro, traça o desvio que justifica
a busca incessante pelo conhecimento.
Com morfologia poligonal e com a estantaria
integrada na proporcionalidade da arquitectura do edifício neoclássico, a Sala
de Leitura da Biblioteca de São Lázaro é um espaço que reduz a distância do
passado. Ao preservar o conceito e os materiais originais, descreve um lugar de
rememoração e manutenção do saber, que importa transmitir no tempo. De alguns
livros, derivaram outros. A esses, somaram-se tantos mais, ocupando e avançando
na estantaria como trepadeira insaciável. E assim, aos cerca de 20.000 títulos
disponíveis na actual biblioteca se adita agora, esta temporária entropia
A intenção de pertencer ao espaço, a partir
da experiência visual do objecto que é livro, revela a dicotomia entre uma
prática contemplativa, que a sala de leitura favoreceu e a prática discursiva,
que o livro-objecto vem possibilitando no percurso criativo da artista.
Algures, entre uma e outra, Carla Rebelo cria pontes de ligação, permitindo ao
leitor que acede à biblioteca e à sala, perscrutar a imaterialidade do Livro e
da Leitura. Nesses pontos - pontos de encontro - quatro pares de Livros são
dispostos rigorosamente: na geometria da sala, na proporção dos pisos, no ponto
gravítico da mesa circular, da estante, da prateleira. São agrupados e alocados
por ordem de letras - não fosse a biblioteca uma forma ancestral de ordenar o
fluxo caótico do mundo, de lutar contra a dispersão, de distinguir o que deve
ser lembrado.
Um
primeiro par, identificado pelas letras A e M,
alude ao espectro que nasce na intimidade do espelho e cuja percepção será
sempre própria do olhar de quem contempla as suas páginas.
Outro par, associa Livros cegos, ambos
designados pela letra C, remetendo a
ideia de ausência para o efeito da memória. Palavras e imagens são colectadas a
partir vários livros retirados da estante por terem sido lidos. Entre os
volumes cegos, as frases ou ilustrações sucedem-se e interligam-se para contar
novas estórias, numa imprevisível desconstrução dos limites dos livros a que
outrora pertenceram.
Um terceiro par utiliza a letra S e ambos
os livros apresentam uma conformação factícia. Livros-caixa são receptáculo
para a percepção do gesto. O gesto que faz da leitura uma experiência háptica
incontornável. Ali, assumindo a paridade entre a mão esquerda e direita,
podemos antever o efeito do toque e da reciprocidade do impacto transformador
sentido pela pele que folheia e pelo papel que é folheado. Duas mãos, devolvem
a ideia de completa entrega.
Por fim, o quarto par, recorre às letras T e G para
acolher a ideia de mapeamento. Há na experiência da Biblioteca, uma entrada
inevitável para o labirinto, para o infinito e para o caos. O livro T e o livro G são
registos materiais dessa viagem. Uma viagem que se faz em busca de um
ancoradouro seguro, mas que se justifica pela própria inquietação e
desassossego. Os livros T e G registam
e trespassam os limites da biblioteca, aproximando-nos do que é distante e
improvável.
Este conjunto de oito livros e a sua
disposição entre o lugar seguro da mesa circular e as estantes ordenadas da
mezanine oferecem ainda um complemento da experiência (meta)física, possível
dentro da sala de leitura. A relação entre os livros da mesa e de seus pares no
piso superior sugere-nos o recurso ao hipertexto num cenário iniciático. O
acesso à mezanine é feito pela escadas em espiral, obrigando ao movimento
helicoidal em direcção à luz do conhecimento a que se aspira. Do
mesmo movimento, podemos antever a inerente transformação do sujeito.
Esta
exposição é, no contexto do LivrObjecto –
Anatomia e Arquitectura, uma oportunidade singular para a
observação do LIVRO enquanto objecto sem limites e em que o seu valor pleno se
amplifica através da relação, que estabelece ao cruzar-se com outros ...
Lisboa, 26 de Novembro de 2017
Inês Correia